A irresponsabilidade que é pressionar o retorno do futebol no Brasil
Por que as competições brasileiras ainda não podem seguir o exemplo da Bundesliga
Por Fred Caldeira
Você provavelmente viu essa foto circulando nos últimos dias nas redes sociais. No dia em que o Brasil bateu recordes de mortes e novos casos confirmados da COVID-19 - e já superados -, os presidentes de Flamengo e Vasco foram até Brasília pedir ajuda ao governo federal na pressão para o retorno do futebol. O Rio de Janeiro tem, até aqui, 3.237 mortes confirmadas e 98% de ocupação dos leitos de UTI na rede pública de saúde.
Se o trágico cenário do Estado que Flamengo e Vasco representam não é o suficiente para freá-los, há detalhes especialmente sórdidos quando se coloca uma lupa no contexto dos dois clubes: o presidente vascaíno Alexandre Campello é médico, enquanto o clube rubro-negro viu há duas semanas o icônico massagista Jorginho morrer por conta do coronavírus. Apesar de ultrajante, a postura da dupla carioca não é exceção e reflete publicamente a vontade encoberta de outras figuras do futebol brasileiro.
Em meio a uma crise de saúde pública sem precedentes, o retorno do esporte deve ser consequência da complicada conquista que é ter um mínimo controle do vírus, reduzindo o número de contágios e ampliando o fôlego do sistema público de saúde. Vamos, portanto, olhar para o cenário de dois países europeus que estão em estágios diferentes nessa batalha - Alemanha e Inglaterra - e comparar com o Brasil para enxergar melhor por que pensar em futebol no atual quadro brasileiro é extremamente irresponsável.
ALEMANHA E BUNDESLIGA
No sábado, mais de cinco milhões de pessoas, só na Alemanha, viram pela TV o retorno da Bundesliga. Enquanto a ótima audiência refletia a receptividade do público, naquele dia o país registrava 620 novos casos do coronavírus - um número pequeno se comparado aos 6.294 casos do pico alemão em 28 de março.
Com claros sinais de algum controle do vírus, a Alemanha deu o sinal verde para o retorno do futebol. No gráfico abaixo - peço perdão por não achar uma versão em português - podemos acompanhar a curva de novos casos no país.
REINO UNIDO E PREMIER LEAGUE
Na terça-feira, os clubes da Premier League retomaram os treinamentos, com curtas atividades entre pequenos grupos de jogadores. É o primeiro passo concreto de um plano que projeta o retorno da competição até o fim de junho. A tentativa da liga faz eco à intenção do país de afrouxar o confinamento e encontra resistência parecida com a qual o primeiro-ministro Boris Johnson vem enfrentando.
No dia do retorno dos clubes da elite inglesa aos treinos, o Reino Unido registrou 2.412 novos casos. Um número menor que o pico de 6.201 casos em primeiro de maio e significantemente inferior ao que a Alemanha registrou (4.003 casos) quando os clubes da Bundesliga retornaram aos treinamentos em oito de abril.
No gráfico britânico, podemos observar um começo do achatamento da curva de novos casos. A Premier League torce para que a trilha inglesa seja paralela à alemã.
BRASIL
Bom, não há muito o que falar sobre o cenário brasileiro além de olhar para o gráfico com altas doses de temor para o que está por vir. Enquanto os presidentes de Flamengo e Vasco reuniram-se com Jair Bolsonaro em Brasília, o país registrou 17.408 novos casos - e repare que o recorde tem sido renovado a cada dia.
Nós não podemos sentar na mesma mesa que a Inglaterra, ainda cambaleante na luta contra o coronavírus, e tampouco na que ocupa a Alemanha, que já luta de pé. O Brasil está nocauteado no chão.
A pressão pelo retorno do futebol é irresponsável, leviana e obscena.