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La Fúria é Roja! Parte 4 - Espanha campeã do mundo em 2010

A conquista da Eurocopa em 2008 ainda com Luis Aragonés, tanto quanto a queda prematura na Copa das Confederações em 2009, moldaram a equipe campeã mundial em 2010.

A equipe base que conquistou o bicampeonato europeu para a Espanha: oito titulares que seriam a base do time campeão mundial em 2010
A equipe base que conquistou o bicampeonato europeu para a Espanha: oito titulares que seriam a base do time campeão mundial em 2010

Por Mauro Beting

Frutos de Del Bosque

Roberto Carlos ganhou tudo com o treinador Vicente Del Bosque nos três anos em que trabalharam juntos no Real Madrid. Se o mundo mal conhece a voz daquele sujeito bigodudo que parece o Leôncio do desenho do Pica-Pau, os atletas do primeiro elenco galáctico merengue ouviam aquela câmera criogênica ferver no vestiário. “Lá dentro ele falava duro. Até gritava. Sabia conduzir muito bem um grupo de estrelas. E trabalhava bem durante a semana. Um treinador não precisa ficar esbravejando durante o jogo. Basta trabalhar direito nos outros dias. Ele fazia isso no Real Madrid”.

Fez o mesmo ao assumir a Espanha logo depois da conquista da Eurocopa-2008, substituindo o desgastado Luis Aragónés. Ajudando o time espanhol a conquistar não apenas seu primeiro mundial. Também a repetir o feito da Alemanha, nos anos 1970: a primeira seleção campeã europeia e, dois anos depois, campeã mundial.

Mas o mérito merece ser dividido com seu sucessor Luis Aragonés, ídolo com meia e treinador do Atlético de Madrid. Capaz de mexer taticamente numa equipe difícil de ser marcada. E também de ser definida taticamente. “Nunca me preocupei com a forma de jogar, com a questão de quantos homens no meio e no ataque. Só queria que meu time tocasse, tocasse e tocasse a bola. Com movimentação e simplicidade”, disse Aragonés.

Concordava o treinador brasileiro Carlos Alberto Parreira, fã do estilo:

- O melhor da Espanha é ser um time que sempre faz o seu jogo, impõe seu modo de jogar, contra qualquer adversário, em qualquer lugar. Eles têm muita paciência e inteligência para tocar. Não rifam a bola. Saem sempre jogando. Os laterais ficam bem abertos na intermediária, os zagueiros - que sabem jogar - abrem bem para receber a bola, o goleiro é quase um líbero de tanto que é acionado, os meias ficam lá na frente... Viram o jogo de um lado a outro com propriedade, atrapalhando a marcação por zona dos adversários. É um time que não dá chance para o adversário porque não lhe oferece a bola.

Aragonés fez ótimo trabalho em 2008 e conquistou o bi europeu para o futebol espanhol. Desde a conquista de 1964 contra a União Soviética, a Espanha fazia na Euro os fiascos de outras competições como a Copa do Mundo. Nem das quartas-de-final passava. Em 2008, em campos suíços e austríacos, começou a virar o jogo.

Na primeira fase, goleou de cara a Rússia por 4 a 1. Com o excelente armador Fábregas, do Arsenal, no banco, a Espanha jogou demais, baseada em algo parecido a um 4-1-3-1-1. Com muita dinâmica, troca de bola e de posições. Iniesta, Xavi e o rápido e driblador David Silva (Valencia) foram os três armadores, com o excelente atacante David Villa (Valencia) flutuando mais à frente, próximo ao artilheiro Fernando Torres (Liverpool).

O placar talvez tenha sido dilatado (até pelo último gol, irregular, de Fábregas – outro revelado pela divisão de base do Barcelona). Mas a impressão ao final do jogo era que a Rússia iria se recuperar – como de fato aconteceu. E a Espanha, abusando do texto então publicado no meu blog, no Lancenet!, “chega forte - pela enésima vez numa competição importante. Só que, desta vez, com pinta de ir além”.

E como foi. Venceu a Suécia e Grécia (então defendendo o título continental) com propriedade. Usou os reservas contra os gregos. Deixando os titulares para as quartas-de-final. Uma fase e um trauma difíceis de serem vencidos em várias eliminações prematuras anteriores. Bons times espanhóis chegaram ao máximo até as quartas nos Mundiais de 2006, 2002, 1998, 1994, 1986 e 1962. Algumas equipes razoáveis como as de 1990 e 1966 tiveram o mesmo azar, assim como times medíocres como os de 1982 e 1978.

Sem citar os fiascos das ausências nas Copas de 1974, 1970, 1958 e 1954 (quando perdeu o sorteio na moedinha para a Turquia...).

A última grande campanha espanhola havia sido a participação do quadrangular final da Copa de 1950. Ainda assim perdendo para o Brasil por 6 a 1, no Maracanã.

Tudo isso precisava ser vencido contra a Itália, então campeã mundial, nas quartas-de-final de 2008. E foi. O time de Aragonés não só eliminou com méritos a confusa Itália do treinador Donadoni. Ganhou nos pênaltis que costumava perder. A Espanha manteve o ótimo time da fase inicial. O que significou deixar no banco o excelente Fábregas. Nada contra Silva como “interior” esquerdo, o meia mais aberto pelo setor, no 4-2-3-1 de Aragonés. Mas se era para deixá-lo rodar o meio-campo, como muito bem jogou, talvez fosse ainda melhor com Césc Fábregas para pensar o jogo espanhol.

Os 90 minutos foram parecidos, iguais, e equilibrados, mas com tintas mais ibéricas. A Espanha tentando atacar, e a Itália, contra-atacar. Chances, poucas, mais espanholas; mas a maior foi azzurra, aos 15 do segundo tempo, quando os pés de Casillas salvaram, numa virada de Camoranesi. Um minuto depois, Iniesta e Xavi deram lugar a Fábregas e ao meia aberto pela direita Santi Cazorla (Villarreal). A Espanha quis mais jogo. E teve. Mas, os gols, só na disputa de pênaltis, depois da prorrogação.

Villa abriu o placar para a Espanha. Cazorla fez 2 a 1. Casillas não deixou De Rossi empatar de novo, com bela defesa no canto direito. Marcos Senna, um dos destaques da Espanha, volante nascido no Brasil, fez 3 a 1. O monstruoso goleiro espanhol Iker Casillas não errava os cantos, e só não defendeu o pênalti de Camoranesi porque a bola foi no ângulo. Mas o ainda maior Buffon defendeu o pênalti do tosco artilheiro Dani Güiza (Mallorca). Di Natale poderia empatar. Mas Casillas não deixou. Ainda faltava um gol. Fábregas deslocou Buffon, a Espanha fez 4 a 2 e fez festa. E acabou com o trauma de parar nos pênaltis e nas quartas.

Mesmo com um dia a menos de descanso, a Espanha parecia favorita nas semifinais, novamente diante dos russos, que espetacularmente venceram os ex-favoritos holandeses. Uma lesão do até então melhor jogador da Euro (David Villa) deixaria qualquer time órfão, aos 33 minutos. Mas veio a campo o melhor reserva da competição. Fábregas pensou o jogo espanhol e fez justiça contra a nova sensação da competição. Antecipando o que a Espanha faria em 2010.

O treinador Aragonés repetiu o 4-2-2-1-1 que vinha adotando: Marcos Senna protegendo os zagueiros que se superam e laterais que apoiam apenas na boa; ao lado dele, à esquerda, saindo um tanto mais, o múltiplo Xavi; na intermediária, trocando de lado, os ótimos Iniesta e Silva; mais à frente, Villa é um meia-atacante que fica pouco atrás de Torres. Ambos com intensa movimentação.

Para o segundo tempo, Aragonés liberou um tanto mais Fábregas para avançar por dentro, com Silva recondicionado ao lado esquerdo. Em vez do 4-2-2-1-1 do primeiro tempo, um básico 4-1-4-1. Na intermediária, a partir da direita, Iniesta, Fábregas, Xavi e Silva. Avançando Xavi, a Espanha achou o lance do gol, aos 4 minutos, em típica arrancada do meio-campista catalão. Iniesta bateu da esquerda para dentro da área e o volante chegou finalizando com categoria.

Aos 23, o volante Xabi Alonso (Liverpool) substituiu Xavi, e Güiza foi ao ataque no lugar do cansado Torres, que fez boa partida. Mas não fez o golaço que o esforçado artilheiro do Campeonato Espanhol (2007-08) marcou, aos 27 minutos, em brilhante jogada de todo o ataque, culminada com a assistência precisa de Fábregas para Güiza tocar bonito e comemorar lindo o gol da mais que merecida classificação espanhola.

Teve outro golaço, de Silva, que aproveitou assistência de Fábregas, aos 36, num lance que começou num dois-toques de classe da melhor seleção espanhola que até então havia visto jogar.

O começo de tudo

O futebol tem lógica. O melhor time vence. A Espanha jogou uma Euro-08 muito melhor que a Alemanha e levou para casa o bi europeu. Sem derrotas, com cinco vitórias, um empate, o melhor ataque, a melhor defesa, o artilheiro, o goleiro menos acionado, e os melhores jogadores.

A camisa não pesou. A bola, sim.

A Espanha teve a escalação esperada, sem o lesionado Villa: um 4-2-3-1 sem a bola que se tornava um 4-1-4-1 com o avanço de Xavi (mais contido que no show sobre os russos). Nos primeiros 10 minutos, a Alemanha foi melhor, impondo o jogo e com a marcação alta. Mas pouco produziu. E ainda menos realizou quando Silva virou um winger pela direita, um meia aberto como um ponta, com Iniesta fixo pela esquerda. Desse modo, o ótimo lateral Lahm teve o circuito cortado (Silva é mais incisivo). Sem o lateral para apoiar, o 4-2-3-1 alemão teve dificuldades para fluir. Marcos Senna não deixou o meia Ballack organizar o rival. Os laterais Sergio Ramos e Joan Capdevilla (Villarreal) foram notáveis no cerco aos armadores pelos lados Schweinsteiger e Podolski. O centroavante Klose acabou ilhado. E sem chances contra os zagueiros Puyol e Carlos Marchena (Valencia), de firmes atuações.

Tanto que, nos primeiros 45 minutos, Casillas pouco trabalhou. Chance de gol, mesmo, só espanholas. Uma cabeçada de Torres na trave direita de Lehmann, aos 22 minutos. E se Torres ganhou no alto da torre de 1,98m chamada Mertesacker, imagine por baixo. Aos 32, belo lançamento de Xavi era mais para o lateral Lahm do que para Torres. Mas, uma vez mais, o ótimo alemão falhou na defesa, Niño Torres se aproveitou e jogou por cima do goleiro alemão. 1 a 0 Espanha. Justo, num jogo mais marcado que jogado, com cada equipe ficando com a bola por 50% do tempo.

Na segunda etapa, a Espanha jogava como se estivesse perdendo. A Alemanha apenas especulava no contragolpe. A primeira chance alemã só aconteceria aos 14, com Ballack. No mais, só dava a equipe melhor dotada tecnicamente, melhor disposta taticamente e com mais variantes, e menos pregada fisicamente, ainda que tenha jogado por mais minutos e com menos descanso que a rival.

Nos minutos finais, a máxima de que o jogo só acaba quando termina para os alemães estava derrubada com a ascensão de um time que jogava como se não fosse a única conquista. Mas a primeira de uma série. “Sentíamos que poderíamos vencer. Estávamos com o jogo controlado”, disse Fábregas”.

Desta vez, a Espanha não se achava inferior. Não se derrubava mais. Não se dividia mais.

Era Espanha como nunca.

Derrota educativa

Na Copa das Confederações de 2009, na África do Sul, a final esperada era a avant-première da decisão da Copa de 2010: Brasil de Dunga contra a Espanha que, desde o título da Euro-08, era do treinador Vicente Del Bosque. Mas que parecia a mesma.

Para não dizer que poucas, na história, podiam a ela ser comparadas: até a semifinal contra os Estados Unidos, a Fúria (ou La Roja, como preferem os mais jovens que não ficaram tão furiosos com tantas derrotas em décadas...) não sabia o que era perder havia 35 jogos (igualando recorde das seleções brasileiras de Parreira e Zagallo, entre 1993 e 1996). Só sabia vencer havia 15 jogos (outro recorde mundial, desde os 3 a 0 contra os russos, na semifinal da Euro-08).

Um time que poderia vencer o de Dunga. Mesmo sem os lesionados Iniesta, Marcos Senna e David Silva, mas com Xavi, Fábregas, Xabi Alonso, Villa e Torres prontos para conquistar a primeira das duas Copas em jogo na África do Sul.

Só não avisaram os norte-americanos, que nos contragolpes venceram por 2 a 0, e foram derrotados a duras penas e bolas pelos brasileiros, na decisão, por 3 a 2. O Brasil ganhava mais uma Copa das Confederações. A Espanha mais uma vez parava numa competição intercontinental.

Foram 22 conclusões europeias contra sete norte-americanas. Apenas duas as corretas. As duas que foram gols para um time que errou 79% dos passes contra um rival que acertou 90% deles (dados do Footstats). “Só” faltou acertar o gol…

E, talvez, saber como lidar com um gol sofrido. Na Euro-08, a Espanha não teve a meta vazada nos jogos decisivos contra Itália, Rússia e Alemanha. Não precisou saber como lidar contra um gol sofrido como o que levou de Altidore, o primeiro; o segundo de Dempsey foi doado por Sergio Ramos.

“Mas seguimos trabalhando e fazendo o nosso jogo”, conformou-se Xavi depois da mais inesperada derrota na história da competição. “Ainda tem muita coisa até o Mundial. Devemos aprender com nossos erros”.

Que não foram muitos. O jornalista Rogério Jovanelli, logo depois da derrota inesperada, escreveu com todas as letras que não havia como discutir a qualidade espanhola. “Talvez o time fique ainda melhor preparado psicologicamente para o Mundial”. Acrescentei, à época, em coluna do diário Lance!: “Esse era o torneio que os espanhóis poderiam perder – mais um. Para quem sabe enfiar vencer um Mundial num continente a ser explorado e conquistado. Sem favoritos de véspera”.

Ou melhor: com um favorito desde 2007 confirmando a qualidade de seu jogo em 2010.

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