Em reconstrução, André Argolo admite 'planejamento comprometido' durante paralisação do futebol
Para impedir prejuízos maiores, diretoria do Cruzeiro tem trabalhado para expor marcas de patrocinadores em suas redes sociais e em entrevistas dos atletas
Por Rodrigo Fragoso e Mauro Beting
As contas do Cruzeiro não estavam fechando há temporadas. Como em muitos clubes e entidades brasileiras. Mas os resultados em campo driblavam os custos acima das receitas.
A lista de despesas do cartão corporativo do clube usado pelo ex-presidente Wagner Pires de Sá até 2019 explica e explicita muita coisa que não daria mesmo certo na Toca da Raposa. Era questão de tempo que não era mais dinheiro.
A meta não fechou no Brasileiro de 2019. A defesa foi vazada mais do que deveria. Os objetivos foram perdidos como os jogos. O time se perdeu. O elenco rachou. Três treinadores foram derrubados até cair o time pela primeira vez na história. A direção pedir as contas. A cota na Série B não pagar o básico. O clube precisar ser reinventado.
André Argolo é o diretor-executivo do Cruzeiro. Chegou ao clube ainda em outubro de 2019 para apagar incêndios e combater a septicemia. Desde março de 2020 tem mais funções. É o responsável por virar esse jogo e revirar o clube de cabeça para cima. Argolo é economista de formação. Foi Secretário Nacional do Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor e vice-presidente da AP-FUT (Autoridade Pública de Governança do Futebol), órgão do Ministério dos Esportes.
ESPORTE INTERATIVO - O Cruzeiro trabalha para cortar gastos desde o final de 2019. Readequação salarial, modificação do perfil do elenco, renegociação de dívidas, cota menor pela Série B... Antes da pandemia, o Cruzeiro atingiu ou esteve próximo de atingir o que planejou para o início da temporada no trabalho de reequilibrar as contas do clube?
ANDRÉ ARGOLO - O Cruzeiro atingiu praticamente tudo o que planejou, com uma gestão muito austera, cortando todos os custos possíveis. Nós estávamos com a folha de pagamento em dia, tínhamos negociado com nossos credores, e estávamos cumprindo com todas as nossas obrigações. O Cruzeiro realmente estava com seu planejamento em dia até que, como os demais clubes, foi surpreendido por essa pandemia e consequentemente teve uma perda significativa de suas fontes de receita, como bilheteria, teve a suspensão de contratos, cotas de TV, e com isso o planejamento ficou comprometido.
EI - O Cruzeiro tem de lidar em 2020 com questões políticas, eleitorais e até de exclusão de membros do Conselho em meio à pandemia. Quanto isso tem prejudicado o dia a dia de planejamento do clube para esse momento de crise?
ANDRÉ ARGOLO - O nosso objetivo, enquanto direção, é nos distanciar o máximo possível dos assuntos políticos e não deixar que isso interfira nas ações do dia a dia. Sabemos que a política é algo intrínseco aos clubes de futebol, que isso pode causar danos, mas nós tentamos blindar a estrutura, para que não tenha muitos efeitos na administração.
EI - O treinador Enderson Moreira quer trabalhar com um elenco menor do que o atual. Ao mesmo tempo, também quer qualificar esse elenco com reforços, como aconteceu na chegada de Régis. Em meio à paralisação, com a economia em choque, será possível reforçar o elenco e dispensar algumas peças que estão sob contrato?
ANDRÉ ARGOLO - Essa avaliação é muito mais técnica, voltada ao futebol. Tudo isso está sendo discutido pelo técnico Enderson Moreira, sua comissão e pelo diretor Ricardo Drubscky. E a alta administração tenta dar todo o suporte necessário, para que tenhamos o melhor elenco possível para o principal objetivo que temos, que é o retorno à Série A.
EI - Várias empresas estão renegociando contratos com seus parceiros. O futebol também vive esse drama. Os parceiros do Cruzeiro já abriram conversas para renegociar repasse de valores, datas ou até mesmo intenção de suspender contratos?
ANDRÉ ARGOLO - Sim. É um problema não só do Cruzeiro, mas de todos os clubes, que foram pegos de surpresa com essa pandemia. Nosso trabalho é tentar mitigar o máximo possível o efeito dessas renegociações, para que não gerem um prejuízo maior ainda. Os contratos que estão suspensos serão retomados e esse período será adicionado ao final. Estamos em um período de quarentena, sem a visibilidade tradicional com os jogos e a rotina normal do Cruzeiro, mas o clube tem procurado também alternativas junto aos seus patrocinadores e parceiros para que, mesmo neste período em que estamos vivendo as marcas tenham visibilidade, como nos conteúdos de rede social e entrevistas. Estamos tentando entender ainda mais a realidade de cada patrocinador, para juntos encontrarmos maneiras de atravessar esta fase.
CRISE FINANCEIRA E REBAIXAMENTO FARÃO CRUZEIRO 'SOFRER MENOS' QUE RIVAIS
Fernando Ferreira, da Pluri Consultoria (especializada em esportes), entende que o rebaixamento fez o Cruzeiro fazer antes e também melhor a adequação financeira. "O clube já passou por um 'coronavírus' com a queda. Ele ajustou cortes de custos desde o final do ano. O Cruzeiro já tinha feito um ajuste dramático. Ele tinha uma perda de receita substancial prevista para 2020. É claro que ela vai aumentar. Um clube de futebol, normalmente, tem de 40 a 50% de suas despesas com elenco e comissão técnica. Não tem milagre para fazer as contas. A Pluri entende que o mercado brasileiro como um todo deve ter uma retração de receita de quase 1,3 bilhão de reais em 2020. Uma perda bilionária que vai fazer clubes perderem entre 10 a 60% da receita. Como o Cruzeiro já está fazendo esse ajuste financeiro, ele não sofrerá tanto. Mas vai ter perdas em receitas de bilheterias com portões fechados, sócio-torcedor que já vinha sendo afetado, e a venda de jogadores que vai ser muito mais difícil agora".
CLUBE VOLTOU AOS TREINOS, MAS À DISTÂNCIA
O Cruzeiro teve o período de férias sendo encerrado no último domingo (03) e já voltou aos treinos. Seguindo as recomendações dos órgãos da saúde, o clube realizará os treinamentos à distância.
Na segunda-feira (04), o grupo se reuniu - via videoconferência - com o técnico Enderson Moreira. A partir de terça (05), os atletas realizarão treinos físicos, em suas respecstivas residências, e todas as atividades terão o acompanhamento do preparador físico Edy Carlos.