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Futebol Brasileiro

Sobrevivendo FC: sonho que gera dependência

A situação de funcionários e técnicos de clubes menores: roupeiro como vendedor de tênis, massagista como auxiliar de pedreiro, treinadores sem garantia de retorno e a MP 936 como solução.

Sobrevivendo FC: sonho que gera dependência
Sobrevivendo FC: sonho que gera dependência - Esporte Interativo (Esporte Interativo)

Por Victor Lopes e Aline Nastari

Futebol é mais sonho do que realidade. E não é uma suposição, e sim constatação. Basta uma análise rápida em números. Segundo estudo apresentado pela CBF no fim de 2019, de R$1 bilhão pagos pelos clubes em 2018, R$800 mil foram destinados para apenas 7% dos atletas. Os outros 93% representam a realidade desconhecida do futebol brasileiro. No entanto, para a bola rolar um clube precisa muito mais que jogadores: técnicos, roupeiros, massagistas, ... diversos funcionários que não aparecem, muitas vezes pouco lembrados, mas que alimentam diariamente o orgulho de trabalhar com uma paixão. Somando a esse cenário à crise financeira causada pelo novo coronavírus o resultado é a falta de trabalho e de salário. Mas a esperança e a paixão são aliadas da superação.

Viajamos para alguns estados do Brasil: Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba e Rio de Janeiro, na tentativa de trazer a realidade de alguns técnicos e funcionários desse “futebol esquecido”. Treinadores que assistem um trabalho construídos desmoronar, massagistas e roupeiros que se tornaram auxiliar de pedreiro e vendedor de tênis, que procuram outra ocupação para ter uma fonte de renda nesse período. Diversos personagens e entre todos eles um sonho em comum: voltar logo a trabalhar com futebol.

É inevitável concluir que o contexto influencia muito na situação de cada equipe, principalmente em relação aos funcionários de menor salário. Dois fatores são fundamentais para aquecer um clube economicamente: estar na localidade onde o dinheiro circula e o calendário anual. Estar no eixo principal do futebol atrai mais investimentos, seja por parte das federações ou patrocinadores. Fazer parte de alguma divisão garante um calendário para ano todo, contratos maiores e a necessidade de se manter o corpo de trabalho por mais tempo.

Na apuração dessa matéria ficou evidente que a maior parte dos clubes que se encaixam em uma dessas categorias conseguiram fazer uso da Medida Provisória 936, arcando com apenas parte do salário dos funcionários, enquanto a outra parte é subsidiada pelo governo. Isso aconteceu, por exemplo com Botafogo, Atlético Cajazeiro e Campinense, todos da Paraíba. Mas não é uma regra, evidenciada pela situação de Jean Viana, massagista do Goianésia que está na série D em 2020, Boavista e Resende, do Rio de Janeiro, representam o facilitador de estar em um grande centro. Mas ao sair dessa esfera a situação se complica: a realidade é um calendário anual de apenas três meses interrompido e contratos curtos. O que fazer? A rescisão foi a opção comum, como a história de Betinho, do Clube Esportivo Dom Bosco ,que contaremos a seguir.

No mesmo cenário, é notório também que as consequências da pandemia para treinadores é um pouco melhor, afinal a instabilidade do cargo, comum no Brasil, os obrigam a se prepararem para o desemprego. Mesmo sem salários eles aproveitam a paralisação para estudar. Conhecedores da realidade dos clubes menores, deixam claro que as regras sugeridas para os clubes grandes não servem para os menores. Falamos com João Carlos Ângelo, que estava no Pinheiro do Maranhão e Laelson Santos, da Juazeirense na Bahia. Sem se falarem, entoaram um pedido comum: o de ajuda aos clubes maiores e federações em nome da sobrevivência da comunidade do futebol.

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Funcionários de clubes sem divisão em estados fora do eixo

Para ilustrar a realidade desses clubes, traremos as histórias de Betinho, antes da pandemia, roupeiro do Clube Esportivo Dom Bosco, de Cuiabá. A ligação com o futebol passa pelo sonho de trabalhar com uma paixão de infância, mas a chegada de um vírus o transformou como profissional: de roupeiro para vendedor de Tênis.

"Sonho para mim também é voltar ao futebol, sim. Tive uma fase muito boa, garanti minha casa, uma renda maior para minha família, foram anos de conquistas. O futebol está no sangue, na veia e no coração. A gente faz por amor, seja minha profissão como mordomo, as das cozinheiras, do massagista, ... Somos os primeiros a chegar e os últimos a sair. As vezes tem viagem, ficamos longe da família. Esse sonho eu já carrego há muito tempo no meu peito".

Com a renda que recebia do Dom Bosco, Betinho pagava a pensão da sua filha do primeiro casamento e sustentava sua família. Com a pandemia já são quatro meses sem receber. O clube não falou em desliga-los e durante esse tempo contribuiu com o que o roupeiro fizesse dois sacolões no mês de maio, além de ter cestas de alimentos. A esposa de Betinho é revendedora de roupas e essa foi a única renda no primeiro mês de paralisação, que não foi suficiente para pagar todas as contas. Foi aí que surgiu a ideia de vender a moto que tinha, investir o dinheiro em mercadoria e começar a vender tênis.

“Não tinha de onde tirar dinheiro, tive que me virar. Comecei a entregar muitos currículos e nada. Tirei um bem que que tinha para comprar os tênis, e deu tudo certo. Foi um mês de desespero. A ideia de vender os tênis foi da minha esposa, ela falou que ia dar certo. E deu certo. A gente não pode abaixar a cabeça e eu nunca abaixei. No começo apareciam poucos clientes, depois foram comprando, ganhando confiança, os jogadores fizeram vídeos para me ajudar e isso foi fluindo. Hoje, vender tênis faz o meu salário em casa."

Betinho conseguiu superar a dificuldade encontrando uma nova ocupação, mas isso não faz com que esqueça do futebol, mesmo vendo futuro como vendedor de tênis. Ele quer voltar a trabalhar no Dom Bosco, e mais que isso, quer voltar a ter contato com o que é sua paixão.

"Sempre trabalhei com futebol, desde os 16 anos. Jogava na base do Mixto Esporte Clube, meu vizinho era roupeiro e eu o ajudava com as camisas dos jogadores profissionais. Fui indo para os clubes, quando fui para o Cuiabá, em 2014 e sai em 2019. Hoje estou no Dom Bosco, só um mês de trabalho por conta da pandemia. O sonho, a gente sempre tem em voltar para o futebol. Mas se está dando certo, a loja virtual de tênis, para frente quero abrir minha loja. Posso trabalhar com o futebol e com a loja. Se voltar o futebol, estou de volta, mesmo com minha loja aberta".

Funcionários de clubes com divisão, mas fora do eixo principal do futebol

Aqui mostraremos a realidade de quatro clubes, mas apenas três deles conseguiram manter os pagamentos de seus funcionários. Na Paraíba, Atlético Cajazeiro e Campinense, que disputam a série D, e Botafogo que disputa a C aderiram a MP 936, o que permitiu que os clubes mantivessem os salários de seus funcionários. Os valores são reduzidos em 25%, 50% ou 75% e a instituição paga o valor que permanece cordado, enquanto o Governo Federal custea a parte reduzida.

Mas o Goianésia, de Goiás, vai disputar a série D em 2020 e lá encontramos Jean Viana, massagista que vive uma realidade diferente. Também tem recebido do governo, mas nesse caso, o auxílio emergencial de R$600 reais para quem não tem um emprego formal. O clube pagou tudo o que devia até antes da paralisação acontecer. Jean está em casa, sem saber se volta para o clube, mas se virando como pode.

“Eu estou há quatro anos no futebol. Minha renda sempre foi do esporte. Depois que veio essa pandemia, atrapalhou um pouco. Veio essa ajuda do governo e a gente vai sobrevivendo, fazendo um bico ali, outro aqui. Ajudante de pedreiro, ajudante de academia, sou músico também e depois fui gravar uma música em um CD, onde tem ajudado a arcar com meus compromissos em casa”

No Goianésia ele chegou há pouco tempo, em dezembro do ano passado, fazendo parte do planejamento da temporada de 2020 e, claro, da expectativa para disputa da Série D. Não sabe como será o futuro da temporada e nem se voltará a equipe, mas esse é um grande desejo.

“Essa pandemia veio e atrapalhou nossos planos para 2020, mas temos fé em Deus que tudo vai voltar ao normal. Houve uma preocupação da diretoria. Eles foram sinceros na pessoa do presidente, diretor, o clube foi muito correto. A gente fica meio preocupado com o que irá acontecer mais para frente, estamos esperando essa volta”.

E adivinhem só como essa história começou? Mais um menino que sonhou em ser jogador e se sente bem no ambiente do vestiário. Independentemente do que gera o “bico” de ajudante de pedreiro, auxiliar de academia ou músico, o que Jean tem certeza é que quer se manter no meio do futebol.

“Eu não penso em largar o futebol. Penso em engrenar mais, estudar e crescer mais no futebol. Sei que o futebol é um meio que eu me sinto bem, eu cresci jogando futebol, parei novo. Joguei no Macaé. Quando eu parei voltei como roupeiro, virei massagista, fiz curso. Não penso em largar, penso em seguir mais ainda.”

Funcionários de clubes menores no eixo

Clubes sem divisão, mas no eixo principal do futebol, também conseguiram manter seus funcionários com auxílio de verba pública, como o Resende e o Boavista. Cezar é massagista do Resende Futebol clube, funcionário há 11 anos. Durante todo tempo de paralisação ficou em casa. No primeiro mês ganhou férias, nos outros, uma redução de 50% do salário dentro do programa da MP 936, ou seja, sem impactar o trabalhador. Já inclusive retomou suas atividades.

Dentro desse contexto conversamos também com o Sapinho do Boavista Sport Club. Um zelador que faz tudo dentro do clube. Com a crise financeira toda sua família ficou desempregada e ele foi o único que continuou a receber.

"A diretoria me informou que eu ficaria de quarentena em casa até acabar essa pandemia. Mantiveram meu contrato mesmo me deixando em casa. E me falaram que eu voltaria em breve, quando passasse a pandemia, e, que eu iria uma vez por semana no estádio ver como as coisas estavam por lá, já que sou zelador do clube. Na minha família, está todo mundo desempregado. Só eu estou trabalhando, mantendo a comida em casa e os alimentos. Mandaram até além do meu salário para me ajudar."

Mas a crise do futebol também piorou a situação financeira do zelador do Boavista, afinal o que recebe do Boavista é apenas uma parte de sua renda, somada ao que recebe e outras duas atividades, todas ligadas ao futebol.

"Minha renda toda vem do futebol, eu sou árbitro aqui em Saquarema no futebol amador e tenho uma escolinha de futsal, aqui. Minha renda hoje é só do Boavista, as minhas outras atividades estão todas paradas."

Treinadores em clubes sem divisão e fora do eixo

O peso da instabilidade de mercado e a grande pressão de comandar um clube costumam refletir nos contratos dos treinadores, mas não é bem assim nas equipes menores, apesar da exigência também existir. Em momento de pandemia eles escolhem estudar: ler, assistir jogos, pesquisar e se preparar para o que vem pela frente, mesmo sem saber se de fato vem ou como vem. O Esporte Interativo conversou com Laelson Lopes, treinador do Juazeirense (Bahia) e João Carlos Ângelo do Pinheiro (Maranhão), dois treinadores de clubes de menor investimento que estão sentindo os efeitos da crise.

Na Juazeirense todos os funcionários foram avisados no dia 18 de março da paralisação do futebol. O presidente se comprometeu em arcar com os dias trabalhados de jogadores e comissão técnica até ali, a partir de então, todos dispensados. Ou seja, em isolamento e sem receber.

“Lógico que os jogadores têm contratos que são registrados na FBF e consequentemente na CBF, então foi feito um acordo de rescisão com eles, e, a nível de comissão técnica, no caso, foi um contrato verbal foram pagos dias trabalhados, todos foram para casa. Mas tinha um acordo para aguardar uma posição da federação de quando retornaria” - disse Laelson.

Já o clube de João Carlos Ângelo perdeu de imediato um importante patrocinador: a prefeitura de Pinheiro, nesse momento todos os recursos possíveis foram destinados para área da saúde. Na reunião antes da paralisação entre presidente e funcionários, o clube avisou que faria o pagamento dos dois salários que faltavam: abril e maio, além de manter os compromissos. No dia 22 de abril pagaram 50% referente ao mês e nada mais.

“Infelizmente com toda essa situação difícil do país, com problema que estão enfrentando em termos de saúde, não foi possível que eles cumprissem isso no momento. Sei que eles estão tentando buscar maneira de resolver, tem muitos atletas que já estão em uma situação delicada e a gente está entrando em contato quase diariamente com o presidente e ele tem feito bastante esforço para acertar as coisas para que seja resolvido. Até o momento ainda não foi resolvido. São três meses que estamos em casa. Esperamos que seja resolvido o mais breve possível”, disse João.

Ambos estão em casa, sem receber salários, mas saber viver em uma montanha russa de acontecimentos é quase fator obrigatório para um treinador brasileiro e se há algo de positivo nesse contexto, é aprender a se resguardar para ter um pouco mais de tranquilidade financeira em cenários como esse. Nesse tempo em casa, os dois treinadores conseguem se manter com o que construíram, pelo menos a curto prazo.

“Eu, graças a Deus, tenho uma condição que hoje me dá possibilidade de ficar em casa aguardando o retorno, sei que muitos atletas, muitos treinadores, membros da comissão estão buscando alternativas para meio de sobrevivência. A gente espera que isso tudo se resolva logo. Todos precisam trabalhar, nesse momento em que se fala no retorno do futebol, a gente sabe que os clubes de menor investimento têm dificuldade de manter realmente todas as condições, todo planejamento de higiene, de condições para que todos os profissionais possam estar trabalhando seguro”, lembrou João Carlos Ângelo.

“Ultimamente eu vinha com renda exclusiva do futebol, de 2017 para cá. Eu sou casado, tenho mulher, tenho filha, então estamos segurando bem, mas fico imaginando outros profissionais, porque o futebol ele não se resume aos 20 clubes da primeira divisão, da segunda, terceira e quarta divisão. Tem outros clubes que estão sem série e que estão com dificuldades financeiras”, relatou Laelson.

Um cenário de indefinições, sem salário, sem saber quando e se vão voltar. Os dois times vinham tendo resultados positivos em campo, o que aumenta a expectativa de retorno. O Pinheiro, por exemplo, é o terceiro do campeonato Maranhense, atrás apenas dos dois principais clubes do estado: Moto Club e Sampaio Correa. Já no campeonato Baiano, a Juazeirense ocupa posição que garante uma vaga na série D do Brasileirão de 2021. Um fato que mudaria o destino do time e dos jogadores no próximo ano. Porém em 2020, o estadual é tudo que eles têm, o que explica a necessidade de rescisão contratual, já que o clube não tem competições no segundo semestre, são feitos contratos curtos.

“Juazeirense não queria o campeonato fosse cancelado por uma série de questões trabalhistas, a Juazeirense faz um contrato em torno de 3 meses e com o adiamento do campeonato sem data prevista, não só a Juazeirense, mas outros times preferiram rescindir o contrato dos seus atletas e comissão técnica e a aguarda uma posição da Federação pra ver quando que iria retornar, por tanto estamos aguardando, tenho o interesse de seguir na Juazeirense para concluir o campeonato”, disse Laelson.

São mundos completamente diferentes da elite do futebol brasileiro. Portanto, para esses profissionais é incompreensível que todos os times sejam tratados da mesma forma nesse momento. Um momento em que os treinadores tentam char atenção dos clubes maiores e das Federações com um pedido de ajuda.

“Eu fiquei bastante preocupado quando eu vi alguns comentários, a princípio, falando que o sindicato iria conversar e que aceitaria reduzir 55% do valor do salário. Um atleta que ganha 50, 60 mil, obviamente vai sentir menos que um atleta que ganha dois, três mil reais. Na maior parte dos clubes pequenos do Brasil, esse é o salário de um atleta. Veja bem, um atleta que ganhava R$3.000 conosco, com a redução d salário passaria para R$ 1.500. Com certeza, alguns atletas não suportariam. Graças a Deus, essas posições não foram tomadas. Eu penso que os clubes de menor investimento deveriam ter mais apoio dos clubes maiores, que também dependem dos menores para terem uma competição equilibrada, principalmente das Federações e os órgãos competentes para que pudesse ter uma melhor forma de sobrevivência”, pede João.

“A gente espera, já que exista uma federação nacional, que eles se manifestem no sentido de ajudar esses profissionais, que estão fora das primeiras linhas do futebol. Espero que exista uma campanha daqueles que trabalham na primeira divisão para ajudar essa classe dos clubes menores”. disse Laelson

Mais uma vez, apesar de inúmeras dificuldades, deixar o futebol não é opção.

“Já tive momentos no futebol em que pensei em parar. Estou tranquilo, não penso de momento largar o futebol, já tenho muitos anos de trabalho, na base e no profissional. A gente sabe que o Brasil, depois dessa pandemia, não vai ser a mesma coisa por um bom tempo, temos que saber lidar para ter uma adaptação rápida. De maneira nenhuma eu penso em largar o futebol”.

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